sábado, 26 de fevereiro de 2011

JESUITAS-Castro Alves

Quando o vento da Fé soprava Europa,
Como o tufão,que impele ao ar a tropa
Das águias,que pousavam no alcantil;
Do zimbório de Roma - a ventania
Do bando dos Apost'los sacudia
Aos cerros do Brasil.

*
Tempos idos! Extintos luzimentos!
O pó da catequese aos quatro ventos
Revoava nos céus...
Floria após na Índia,ou na Tartária,
No Mississipi,no Peru,na Arábia
Uma palmeira-Deus!-
*
O navio maltês,do lácio a vela,
A lusa nau,as quinas de Castela,
Do Holandês a galé
Levava sem saber ao mundo inteiro
Os vândalos sublimes do cordeiro,
Os Átilas da fé.
*
Onde ia aquela nau?-Ao Oriente.
A outra?Ao pólo.A outra?-Ao ocidente
Outra?Ao norte.Outra?Ao sul.
E o que buscava?A foca além do pólo;
O âmbar,o cravo no indiano solo
Mulheres em 'Stambul.
*

Ouro na Austrália;pedras-em Misora!...
"Mentira!" respondia em voz canora
O filho de Jesus...
"Pescadores!...nós vamos no mar fundo
Pescar almas p'ra Cristo em todo mundo,
"Com um anzol-a cruz-!"

*
Homens de ferro! Mal na vaga fria
Colombo ou Gama um triho descobria
Do mar os escarcéus,
Um padre atravessava os equadores
Dizendo:Gênios!...sois os batedores
Da matilha de Deus

*
Depois as solidões surpresas viam
Esses homens inermes,que surgiram
Pela primeira vez,
E a onça recuando s'esgueirava
Julgando o crucifixo...algguma clava
Invencível talvez!

*
O martirio, o deserto,o cardo,o espinho,
A pedra,a serpe do sertão maninho,
A fome,o frio,a dor,
Os insetos,os rios,as lianas,
Chuvas,miasmas,setas e savanas,
Horror e mais horror...

*
Nada turbava aquelas frontes calmas,
Nada curvava aquelas grandes almas
Voltadas p'ra amplidão...

*

No entanto eles só tinham na jornada
Por couraça a sotaina esfarrapada...
E uma cruz-por bordão.

*
Um dia a taba do Tupi selvagem
Tocava alarma...embaixo da folhagem
Rangera estranho pé...
O caboclo da rede ao chão saltava,
A seta ervada o arco recuvava...
Estrugia o boré.

*
E o tacape bradindo,a tribofera
De um tigre ou de um jaguar ficava à espera
Com gesto ameaçador...
Surgia então no meio do terreiro
O padre calmo,santo,sobranceiro,
O Piaga do amor
Quantass vezes então sobre a fogueira
Aos esttalos sombrios da madeira,
Entre o fumo e a luz...
A voz do mártir murmurava ungida
"Irmãos!Eu vim trazer-vos -minha vida...
Vim trazer-vos-Jesus!"


*
Grandes homens!Apóstolos heróicos!...
Eles diziam mais do que os estóicos:
"Dor,-tu és um prazer!"
"Grelha,-és um leito!Brasa,-és uma gema!
Cravo,-és um cetro! Chama, um diadema
Ó morte,-és o viver!"

*
Outras vezes no eterno itinerário
O sol,que vira um dia no Calvário
Do Cristo a santa cruz,
Enfiava de vir achar nos Andes
A mesma cruz,abrindo os braços grandes
Aos índios rubros,nus.

*
Eram eles que o verbo do Messias
Pregavam desde o vale às serranias,
Do pólo ao Equador...
E o Niágara ia contar aos mares...
E o Chimborazo arremessava aos ares
O nome do Senhor!...

************************************************ São Paulo,1868

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